O sistema de cotas vigente em diversas universidades do Brasil é motivo de grande polêmica. Será que essas cotas raciais realmente combatem a desigualdade ou elas apenas dão um reforço ao racismo já existente? E o racismo, existe neste país tão 'misturado'?


Mesmo tendo uma história marcada pela miscigenação, o Brasil ainda é marcado por forte preconceito racial. A ideologia de superioridade racial herdada pelo colonizador europeu gerou uma série de desigualdades, principalmente para a população negra. Negro já foi sinônimo de escravo. Felizmente, essa realidade mudou graças à famosa Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil (que, aliás, foi o último país a realizar a abolição). Essa foi uma grande conquista para a igualdade racial, mas não foi o suficiente para eliminar as desigualdades, o racismo já estava implantado na mentalidade da população. O racismo, somado à falta de oportunidades (não só de trabalho, mas também de estudo), gerou a pobreza e marginalização da população negra.

Embora muito já tenha sido feito em nome da igualdade, como a criminalização do racismo, o estabelecimento do Dia da Consciência Negra e a criação do Ministério da Igualdade Racial, os negros ainda estão pouco inseridos na sociedade. As diferenças são muitas (e são evidentes): a maior parte da população pobre do país é formada por negros; o índice de homicídio dos negros é duas vezes maior que o do branco; há apenas uma instituição de ensino superior voltada ao público negro no Brasil; há um desnível salarial entre negros e brancos; nas grandes empresas e instituições de ensino brasileiras, o negro é pouco (ou nem um pouco inserido). Essas são apenas algumas das muitas diferenças que persistem.

A criação de cotas raciais nas universidades e empresas é vital para a redução das desigualdades. Vamos por as coisas assim: descendentes da elite branca são colocados pelos pais nas escolas particulares do país. Com uma educação melhor, esses jovens acabam ficando com as vagas das universidades públicas (mesmo que os seus pais tenham dinheiro para pegar pelas universidades particulares). O menos favorecido recebeu um ensino não tão bom e por isso acabou não conseguindo uma vaga em uma universidade pública, como os seus pais não têm dinheiro para pagar uma universidade particular, o seu estudo termina por aí. Com um grau de estudo maior, a elite branca se mantém no poder perpetuando esse ciclo de desigualdade, onde o pobre não tem vez. E assim se resume o esquema da desigualdade, tudo isso sem generalizar, claro. Entenderam a necessidade das cotas?

Mas aí você pode pensar: "ah, mas o sistema de cotas tem falhas... e quanto àquele negro de boa situação financeira, que estuda em escola particular e mesmo assim ganha vantagem, e o culpado por essa desigualdade não é o governo, que não garante um ensino público de qualidade?". Sim, existem falhas (e onde é que elas não existem?). Tecnicamente, os negros mais ricos não são uma falha grave do sistema, uma vez que representam uma ínfima minoria. Já a qualidade do ensino público sempre foi um problema para o país. Mas, não vamos apenas culpar 'os políticos' pelos problemas na educação, pois somos nós que os elegemos, portanto parte da culpa recai sobre todos nós. Na Inglaterra, os filhos de políticos estudam obrigatoriamente em escolas públicas, para evitar o descaso dos seus pais com a educação. Essa seria uma ótima lei para se adotar no Brasil, não seria?

De acordo com o jornalista Ali Kamel, diretor da Central Globo de Jornalismo e autor do livro Não somos racistas - Uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor, as cotas só iriam gerar ódio racial, coisa que, segundo ele, jamais existiu neste país. Ao contrário do que aconteceu em outros países considerados extremamente racistas, como os Estados Unidos, a população brasileira miscigenou-se. Não há no Brasil aquela divisão que vemos em filmes norte-americanos com bairros 'de negros', bairros 'de brancos', bairros 'de latinos' e bairros 'de asiáticos'.

Pode até não haver no Brasil uma segregação espacial aos níveis daquela existente nos Estados Unidos, mas que existe aqui, existe. A maior prova disso é o fato de os habitantes das favelas e periferias serem majoritariamente negros, enquanto nas 'áreas nobres' das grandes cidades predominam os brancos. Deve-se ainda levar em conta o fato de que a maioria da população brasileira é negra, e corresponde à parte mais pobre, enquanto a elite é predominantemente branca. Coincidência ou dívida história não resolvida?

As cotas raciais não afirmam que o negro tenha menos capacidade que o branco, apenas igualam as oportunidades para os dois. Só poderemos dizer que as cotas não são mais necessárias no dia em que as universidades tiverem um perfil de estudantes que reflita a verdadeira realidade racial do país, algo próximo de 50% brancos e 50% negros, e não 90% brancos, como é nos dias de hoje. Só assim saberemos que a vergonhosa escravidão foi finalmente vencida, tendo os seus vestígios e heranças superados.