Cotas, desigualdade, racismo: a senzala social
janeiro 25, 2012 17:35
Postado por Bruno Miranda
O sistema de cotas vigente em diversas universidades do Brasil é motivo de grande polêmica. Será que essas cotas raciais realmente combatem a desigualdade ou elas apenas dão um reforço ao racismo já existente? E o racismo, existe neste país tão 'misturado'?
Mesmo tendo uma história marcada pela miscigenação, o Brasil ainda é marcado por forte preconceito racial. A ideologia de superioridade racial herdada pelo colonizador europeu gerou uma série de desigualdades, principalmente para a população negra. Negro já foi sinônimo de escravo. Felizmente, essa realidade mudou graças à famosa Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil (que, aliás, foi o último país a realizar a abolição). Essa foi uma grande conquista para a igualdade racial, mas não foi o suficiente para eliminar as desigualdades, o racismo já estava implantado na mentalidade da população. O racismo, somado à falta de oportunidades (não só de trabalho, mas também de estudo), gerou a pobreza e marginalização da população negra.
Embora muito já tenha sido feito em nome da igualdade, como a criminalização do racismo, o estabelecimento do Dia da Consciência Negra e a criação do Ministério da Igualdade Racial, os negros ainda estão pouco inseridos na sociedade. As diferenças são muitas (e são evidentes): a maior parte da população pobre do país é formada por negros; o índice de homicídio dos negros é duas vezes maior que o do branco; há apenas uma instituição de ensino superior voltada ao público negro no Brasil; há um desnível salarial entre negros e brancos; nas grandes empresas e instituições de ensino brasileiras, o negro é pouco (ou nem um pouco inserido). Essas são apenas algumas das muitas diferenças que persistem.
A criação de cotas raciais nas universidades e empresas é vital para a redução das desigualdades. Vamos por as coisas assim: descendentes da elite branca são colocados pelos pais nas escolas particulares do país. Com uma educação melhor, esses jovens acabam ficando com as vagas das universidades públicas (mesmo que os seus pais tenham dinheiro para pegar pelas universidades particulares). O menos favorecido recebeu um ensino não tão bom e por isso acabou não conseguindo uma vaga em uma universidade pública, como os seus pais não têm dinheiro para pagar uma universidade particular, o seu estudo termina por aí. Com um grau de estudo maior, a elite branca se mantém no poder perpetuando esse ciclo de desigualdade, onde o pobre não tem vez. E assim se resume o esquema da desigualdade, tudo isso sem generalizar, claro. Entenderam a necessidade das cotas?
Mas aí você pode pensar: "ah, mas o sistema de cotas tem falhas... e quanto àquele negro de boa situação financeira, que estuda em escola particular e mesmo assim ganha vantagem, e o culpado por essa desigualdade não é o governo, que não garante um ensino público de qualidade?". Sim, existem falhas (e onde é que elas não existem?). Tecnicamente, os negros mais ricos não são uma falha grave do sistema, uma vez que representam uma ínfima minoria. Já a qualidade do ensino público sempre foi um problema para o país. Mas, não vamos apenas culpar 'os políticos' pelos problemas na educação, pois somos nós que os elegemos, portanto parte da culpa recai sobre todos nós. Na Inglaterra, os filhos de políticos estudam obrigatoriamente em escolas públicas, para evitar o descaso dos seus pais com a educação. Essa seria uma ótima lei para se adotar no Brasil, não seria?
De acordo com o jornalista Ali Kamel, diretor da Central Globo de Jornalismo e autor do livro Não somos racistas - Uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor, as cotas só iriam gerar ódio racial, coisa que, segundo ele, jamais existiu neste país. Ao contrário do que aconteceu em outros países considerados extremamente racistas, como os Estados Unidos, a população brasileira miscigenou-se. Não há no Brasil aquela divisão que vemos em filmes norte-americanos com bairros 'de negros', bairros 'de brancos', bairros 'de latinos' e bairros 'de asiáticos'.
Pode até não haver no Brasil uma segregação espacial aos níveis daquela existente nos Estados Unidos, mas que existe aqui, existe. A maior prova disso é o fato de os habitantes das favelas e periferias serem majoritariamente negros, enquanto nas 'áreas nobres' das grandes cidades predominam os brancos. Deve-se ainda levar em conta o fato de que a maioria da população brasileira é negra, e corresponde à parte mais pobre, enquanto a elite é predominantemente branca. Coincidência ou dívida história não resolvida?
Pode até não haver no Brasil uma segregação espacial aos níveis daquela existente nos Estados Unidos, mas que existe aqui, existe. A maior prova disso é o fato de os habitantes das favelas e periferias serem majoritariamente negros, enquanto nas 'áreas nobres' das grandes cidades predominam os brancos. Deve-se ainda levar em conta o fato de que a maioria da população brasileira é negra, e corresponde à parte mais pobre, enquanto a elite é predominantemente branca. Coincidência ou dívida história não resolvida?
As cotas raciais não afirmam que o negro tenha menos capacidade que o branco, apenas igualam as oportunidades para os dois. Só poderemos dizer que as cotas não são mais necessárias no dia em que as universidades tiverem um perfil de estudantes que reflita a verdadeira realidade racial do país, algo próximo de 50% brancos e 50% negros, e não 90% brancos, como é nos dias de hoje. Só assim saberemos que a vergonhosa escravidão foi finalmente vencida, tendo os seus vestígios e heranças superados.
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25 de janeiro de 2012 às 22:37
Antes de mais nada, parabéns por mais um post fabuloso! No entanto, discordo com vc em alguns pontos. Primeiro que não creio nisso de que o fato de os negros serem em sua maioria pobres (como vc coloca), mereçam cotas nas universidades. Não seria mais conveniente uma cota para pobres? Por que o negro precisa de tal privilegio? Essa facilitação na entrada não os impulsiona ao ócio? Além de que não é regra isso de escola boa, educação melhor. Eu estudei em uma escola bem "vagabunda" e isso nao me impediu de ingressar na UEPA sem precisar de cotas. O aprendizado depende muito mais do aluno do que da instituição docente. Outro ponto é a facilidade nas formas de pagamento que existem hoje em dia. Na minha mais sincera opinião, as cotas para negros são apenas mais um exemplo de racismo, visto que já existe cotas para escolas públicas.
A propósito, admiro a sua luta contra o preconceito racial.
"Sou branco e talvez ingênuo demais, mas isso é o que penso"
Bruno Kitagawa
11 de fevereiro de 2012 às 18:40
Parabéns pelo post! as ideias estão muito claras.
Algumas coisas não concordo, mas mudei um pouco minhas ideias. Antes eu era totalmente contra, mas de uns tempos pra cá, acho que é algo temporário e necessário a vigência de cotas para negros no Brasil, até que venha ocorrer a igualdade.
Abraços (:
26 de fevereiro de 2012 às 22:39
Até ´poucos anos atrás existia cotas para filhos de latifundiarios entrarem nas universidades,muita gente não sabia diss, mais muitos daqueles que hoje criticam o sistema de cota par negros(as) sabem.
22 de abril de 2012 às 16:16
Texto ótimo,mas discordo com seu ponto de vista porque as cotas são um tipo de racismo ao contrário ja que alguém será impidido de entrar na faculdade por ser branco.As cotas não deveriam existir e sim um ensino público de qualidade para que todos tenham a mesma oportunidade de entrar em uma escola pública.
Agradeço
8 de maio de 2012 às 02:19
Sou a favor das cotas nas universidades! Mas acho que não devemos parar por aqui. Não adianta apenas privilegiar o negro que quer chegar ao topo, porque infelizmente, aqueles que conseguem chegar a competir nas federais e chegam a passar, ainda que por cotas, são poucos. Precisamos SIM pressionar o governo por uma EDUCAÇÃO BÁSICA de QUALIDADE. Aceitar que um político (ou outro concursado da vida) ganhe 15, 20,..45 mil e um professor formado ganhe 1000 é inadmissível. E é na BASE que está a MAIORIA negra. Não adianta querer mudar tudo somente na perspectiva top-down. Que bom que alguns negros consigam um bom ensino superior(vejamos, não são muitos brasileiros que chegam a esse nível). Mas e a maioria? Mudar o substancial é muito mais difícil. Mas acho que parte do movimento negro deveria olhar, agora, depois dessa conquista, para a maioria não privilegiada. Não concordo, por exemplo, com um movimento que agora visa pressionar o governo pra conseguir bolsas de doutorado!
http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0,,OI5686335-EI8266,00-No+Senado+movimento+negro+cobra+cotas+para+bolsas+no+exterior.html
Isso é elitismo e busca por privilégios. Uma vez tendo colocado o(a) negro(a) na Universidade federal, ele(a) é capaz de competir por seu mestrado e doutorado em Paris, Londres, etc, até porque tem sido sistematicamente comprovado de que têm rendimentos melhores, uma vez lá dentro. Isso é problema de luxo! O problema real, da base, é mais difícil de resolver e ninguém quer falar disso.
Por um movimento negro que olha também pro negro pobre e desfavorecido!
21 de julho de 2012 às 18:39
acho tudo uma merda isso , vao se catar e saber oq estão falando . eu acho que cotas nao sao justas , pois brancos que se esforçam pra estudar nao entram em universidades e pretos que nao se esforçam nd entram deborst ' . entao acho isso uma puta falta de sacanagem .beeijao amoores
22 de agosto de 2012 às 21:44
Não acredito que as cotas sejam uma solução, elas estão mais como medidas paliativas para mascarar as estatísticas da péssima qualidade da educação no Brasil. E além do mais de que adianta entrar na faculdade por entrar? Um estudante advindo do ensino público (que todos sabemos a crise pela qual tem passado e não é de hoje isso...) vai ter condições de se manter lá dentro? Digo no sentido de ter nível adequado para continuar seus estudos e se formar, pois ele sentirá muitas dificuldades, as quais não serão sentidas por um aluno que teve uma educação de qualidade, o que acabará por desestimular o aluno de escola pública e fazendo com que desista de se formar. A faculdade não vai rebaixar seu nível, pois se o fizer rebaixa também a qualidade de seus formandos. A solução não as cotas, mas sim uma educação de qualidade para todos, sejam brancos, negros, pardos ou verdes de bolinhas amarelinhas. :)
24 de outubro de 2012 às 12:12
Dr. SHELDON
Meus parabéns, não apenas sua posição, como também sua forma brilhante e clara de escrever me fizeram passar a acompanhar seu post. Continue escrevendo sobre política, algo de suma importância e que você o faz muito bem! Dá gosto de ler; novamente, parabéns!
25 de dezembro de 2012 às 18:21
A Política de cotas e o Bolsa Família é uma forma de escravizar a população ignorante. O nível dos universitários atualmente é péssimo e está abrindo margem para mais preconceito. O que sempre acreditei foi no investimento da educação básica. Todos devem concorrer de forma igual, quando abrem-se cotas, assume-se que estes são inferiores. Pensem nisso!
24 de janeiro de 2013 às 19:55
cotas raciais foram criadas nos estados unidos e duraram cerca de anos e nao resolveu a desigualdade cultural, resido em um bairro de maioria negra e garanto que eles nao se preocupam com os estudos e sim com a bolsa familia, o governo ja desqualificou o ensino publico fundamental e o medio, e agora chegou a vez das universidades, nem japoneses e nem italianos precisaram de inclusao social porque nao contruiram favelas, querem faculdade parem de se reproduzirem como ratos e estudem
31 de janeiro de 2013 às 20:58
Esse artigo é simplesmente falso! Começa afirmando que a "elite" branca coloca seus filhos em escolas particulares (onde o ensino é melhor) e portanto conseguem que acessem as universidades públicas que são as melhores!. Aqui o articulista mente descaradamente a) as escolas PÚBLICAS e não as privadas, sempres foram as melhores!, até a década de 80 mais ou menos. As privadas eram poucas e classificadas como PPP (papai pagou? passou!). Os negros, brancos, índios, mestiços ou coisa que o valha acessavam, igualmente, os bancos escolares. Não havia "cotas" para brancos da "elite", assim esta não é a origem ou razão, da diferença social advinda do academicismo. b) Quando malandramente, denomina as escolas públicas de "não tão boas" ou seja, seriam boas, mas não tanto que superasse a "concorrência desleal" com as privadas - mente de novo!. A verdade é que as escolas públicas são hoje uma excrecência, um tumor cancerígeno, uma patologia do serviço público. NÃO ERAM , mas agora são!. Logo o problema não é , nem nunca foi, das "elites brancas", mas do ESTADO, diga-se de passagem, já então democratizado. As "elites" brancas, ao contrário do que diz o texto mentiroso, são, na maioria esmagadora, da classe média e pobre brasileira e que, percebendo o desmando e empulhação governamental, faz das tripas coração e com sangue suor e lágrimas, consegue libertar seus filhos dessa cova educacional, pagando escolas privadas.c) A aberração das cotas, e a falácia do texto, esconde o fato de que NÃO estão resolvendo o problema, este reside,intocável, na escola pública, subsistindo à margem dos interreses demagógicos da esquerda. Ninguem quer resolver o problema, querem o atalho das cotas d) Os pais que sofreram para trasmitir o valor da educação aos filhos, pagando do próprio bolso, o que seria dever do estado, são triplamente penalizados com essa medida demagogia e imbecil! perdem seu investimento, prejudicam os próprios filhos ( que teriam mais chances nas públicas) e são traídos pelo governo que sonegou a educação devida, ainda por cima deixam uma "bela" lição para essas crianças: o mérito e o esforço não vale mais que a cor da pele! (é o racismo ás avesas).
concluindo este breve arrazoado, as cotas nada mais são do que: 1) o reconhecimento oficial da incapacidade do negro em progredir por si mesmo. 2) a empulhação de colocar na universidade, alguém cujo preparo sonegou na escola pública. 3) a descontrução da universidade pública brasileira, tal como ocorreu com o ensino médio e fundamental. As particulares irão melhorar e superar as públicas, elitizando, ai sim! de uma vez por todas, o ensino superior. È o que ocorre nos EUA e Europa.
Negros e outras pseudo-etnias, chagados a uma "vantagemzinha", um "jeitinho", um privilégio preguisoço, irão pagar na pele, exatamente o que queriam evitar. Em tempo: eu sou mestiço como a maioria da população e mesmo que fosse negro purríssimo , teria vergonha de usar desse expediente ridículo e depreciante.
marcilio leão
3 de fevereiro de 2013 às 22:20
Parabéns pelo bom post politizado. As cotas são extremamente importantes. Elas são a única medida enérgica e temporária para corrigir 100 anos de descaso mais 400 de exploração. Não foi realizada uma política inclusivista depois da abolição. Os negros e as negras foram abandonados e substituídos por imigrantes europeus e orientais, pois, se é para pagar salário, que seja para "brancos que são gente". É um absurdo imaginar que, por exemplo, a UFRJ tenha 4200 professores em seu corpo docente e destes APENAS 20 são negros e negras. Absurdo observar que a mortalidade entre jovens de 15-29 anos diminuí em todos país, exceto, entre os negros e negras, que, PASMEM, aumentou! Que mito da democracia racial é esse que a juventude negra continua sendo exterminada e afastada das oportunidades? Criar cotas é muito mais que simplesmente ceder o espaço para os negros e as negras, é dizer de que cores você quer pintar a Universidade, dizer quem você quer que entre e participe dela e transforme-a. A Universidade tem o objetivo social de se integrar e servir a sociedade. Como podemos fazer isso se a sociedade não está nas Universidades? Caso ninguém saiba existe cotas para nossas mulheres exercerem papel na política. Exige-se que 30% dos partidos lancem mulheres nas disputas eleitorais. Ainda hoje, em 2013, tem partido que compra candidatas para cumprir a meta. Não sou negro e nem mulher, mas a nossa luta é por reivindicar o espaço que nos pertence. Se o Brasil tem 50% de negros e negras, razoável é que 50% das vagas deveriam ser ocupadas por negros e negras. Em uma sociedade ideal do qual todos e todas tiveram oportunidades, não seria essa a configuração natural? Então não venham dizer que se está tirando vagas de ninguém, se está tomando de volta as vagas que historicamente eram dos negros e negras e foram rejeitadas por uma sociedade injusta.