"Um dia eu não aguentei. Eu chorava muito, não conseguia parar de chorar. O meu marido me pedia para parar, mas eu não conseguia. Eu saí na rua correndo, chorando, e ele atrás de mim. Estava chovendo, era meia-noite. Eu estava pensando no bebê. Foi na semana anterior ao parto. Eu comecei a sonhar. O meu marido também. Eu sonhava com ela [referindo-se à filha que gerava] no caixão. O meu marido tinha outro sonho(...). Ele havia lido sobre anencefalia na internet. Se você vai buscar informações é aterrorizante." relato de Gabriela Oliveira Cordeiro durante julgamento.


"O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido.(...)Atuar com sapiência e justiça, calcados na Constituição da República e desprovidos de qualquer dogma ou paradigma moral e religioso, obriga-nos a garantir, sim, o direito da mulher de manifestar-se livremente, sem o temor de tornar-se ré em eventual ação por crime de aborto." Ministro Marco Aurélio relator do caso.




      No dia 12 do mês passado, o nosso Supremo Tribunal Federal (STF) julgou um dos temas mais importantes de sua história. Eles decidiram, por maioria, que as mulheres cujos fetos forem diagnosticados com anencefalia poderam optar pela interrupção da gravidez. Como toda decisão polêmica, ela gerou inúmeros comentários Brasil a fora. Hoje trago para vocês o meu.

          Eu, pessoalmente e não estou falando em nome dos meus colegas do multiverso, sou a favor do direito ao aborto dos fetos anencefálicos e fiquei muito, muito feliz com a decisão do STF. Isso porque para mim ela representou um passo a mais na tão sonhada evolução do nosso país. Você pode estar me achando um mostro que é a favor de matar criancinhas ou que para mim é fácil dizer isso, porque já nasci. Mas não é nada disso, eu me explico. Esse tipo de aborto em nada tem a ver com o infanticídio, os fetos anencefálicos não possuem nenhuma expectativa de vida extrauterina, a morte deles não é uma escolha.

        Além disso, eu sou a favor pelo simples fato de não achar que eu tenho o direito de taxar mulheres de assassinas insensíveis porque elas não querem levar uma gravidez até o fim. Isso porque só elas sabem como é estar no lugar delas. Eu não sou mãe, como mulher posso imaginar o amor que uma mãe sente pelo filho, mas só posso isso, imaginar. Também só posso imaginar a dor de uma mulher que descobriu que seu filho não tem nenhuma chance de viver, mas também não sei como é. E como todos sabemos, a imaginação pode ser muito diferente da realidade.

           O direito dado à mulher de escolher abortar ou não seu feto, não vai de encontro com nenhum de nossos direito, não nos afeta, não nos obriga a nada e por isso não nos diz respeito. Cada um sabe o seu limite, e o que você é capaz e o que não é. Essa escolha é individual, e não cabe a ninguém dizer se ela foi certa ou errada.



Para chegarmos a uma sociedade melhor precisamos aprender que todas as vezes que um direito de uma pessoa não diminui o nosso, esse direito é legitimo, é indiscutível. Se buscamos formar uma sociedade composta por pessoas livres, devemos defender a liberdade. Uma liberdade a mais foi dada a mulher, ela é livre pra seguir com a gravidez de feto anencefálico até o fim e também é livre para poder interrompê-la, e isso, para mim, deveria ser motivo de orgulho e comemoração. Vale lembrar que essa decisão não está obrigando ninguém a abortar.

         Admiro as mulheres que escolherem, a partir de agora, seguir com a gravidez até o fim, mas também admiro as mulheres que escolherão interrompê- la. Essa escolha não será fácil, estas vão lutar contra toda a censura de uma sociedade que adora moralizar os outros, mas que não leva a moral tão a serio quando se trata de si mesmo.

          Acho importante dizer que não pretendo com esse texto convencer as pessoas de que o aborto é a melhor opção, a questão não é essa , eu estou tentando convencer que precisamos respeitar o direito dado às mulheres. Uma decisão como essa nunca vai contentar a todos, e nem é essa finalidade, a finalidade é que as vontades, mesmo que antagônicas, do maior número de pessoas possível sejam amparadas pelo ordenamento jurídico. Desse modo, assim como queremos que nossos direitos sejam respeitados, é nossa obrigação respeitar os dos outros, mesmo que discordemos deles.

           É preciso que olhemos o outro como ele deve ser olhado, todos somos diferentes, isso faz parte da humanidade, não é aceitável que essas diferenças gerem tratamentos discriminatórios. Por isso, faço um pedido a vocês, daqui para frente, sempre que vocês se depararem com uma mulher cujo seu feto tenha sido diagnosticado com anencefalia e que escolheu interromper a gravidez, não  a olhem como se ela tivesse escolhido a morte do seu bebê, pois essa foi a única escolha que, definitivamente, não coube a ela.





“Quando o berço se transforma num pequeno esquife, a vida se entorta”. Guimarães Rosa.

É isso meus amores.
Beijos, Bell *_*.